quinta-feira, 11 de abril de 2024

A madrugada (depois de Sophia)

A madrugada (depois de Sophia)

Veio sem mundo por vir.
Veio sem caução depois da noite velha.
Veio antes ou depois do pensamento, a parte animal
que lhe servia. Por dentro das casas
e nas ruas. Para não matar, os militares bebiam
o último litro de sangue das flores. Para não
matar, para inventar
a madrugada, quer dizer a violência de uma nudez.
Veio a espera dos corpos, quer dizer
a alegria. Veio a manhã solta
como malha na saia de uma rapariga.

                                                      Andreia Faria (em «Revolução já! Poesia Pública»)



domingo, 25 de fevereiro de 2024

Públicos Jardins, de Inverno (de «Canção Doce», Slimani)

- atingida a p. 113 (de 215) desta leitura Ràpida, na NAC., na P. da FIG.a;

RECORTE(s):
       Os jardins públicos nas tardes de Inverno. A morrinha varre as folhas mortas. O cascalho gelado cola-se aos joelhos dos meninos. Nos bancos, nas ruelas discretas, cruzamo-nos com aquelas pessoas que o mundo já não quer. [...]
     Os jardins públicos, nas tardes de Inverno, são frequentados pelos vagabundos, os mendigos, os desempregados e os velhos, os doentes, os errantes, os precários. Os que não trabalham, os que não produzem nada. [...]
      À volta do escorrega gelado, estão  as amas e o seu exército de crianças. Embrulhados em casacos de penas que os estorvam, os pimpolhos correm como grandes bonecas japonesas, com o nariz a pingar de ranho e os dedos roxos. Exalam nuvens de fumo branco que os maravilham. Nos carrinhos, os bebés ajaezados contemplam os irmãos mais velhos. [...] Batem com os pés só de pensar em escapar à vigilância das mulheres que os apanham com uma mão firme ou violenta, meiga ou exasperada. Mulheres de túnica africana no Inverno glacial

Leila Slimani, Canção doce, (2016), 2022, pp. 109-110

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

«brincar às palavras» (de «Nessa altura já cá não estamos»)

 - terminado só hoje de manhã, na ESP. dos Manos D. + A.; irá ou não para a «Mesa das Trocas»?

RECORTE(S):

     Por vezes fica muito entediada e brinca sozinha às associações de palavras. [...] Quando lhe surge uma palavra muito estranha, fica absorta e surpreendida a pensar nela. Acontece o mesmo em relação aos objectos a que essas mesmas palavras aludem. Acontece-lhe isso com alguidar, por exemplo. Que na sua cabeça é sempre um objecto de cor creme com uma risca castanha. E também com  a palavra macarrão, que tem a estranheza do erre, das estrias longitudinais da massa e do orifício ovalado das extremidades. [...] Como vive numa comunidade bilingue, surgem-lhe à mistura palavras em castelhano e valenciano [...]

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Na cadeira do barbeiro (em «A Arte de Driblar Destinos»)

 - já referidos, os Mestres Finezas de D. (o sr. F., da Calçada S. C. de S., e o sr. M., da Calçada da B. G.)...; para espanto de R., cá pelo Bairro, com tantos Neo-Barb.os, o preço do Corte não pára de baixar...; o narrador protagonista de «A arte...» explicita o final da narração da Primeira Infância, antes de nova mudança da  família para outra casa, noutra terra..., na p.195, no final do cap. 31: «Era o fim de Fevereiro e, como em um drible de Garrincha ficava para trás a minha primeira infância.»;

- [da BiblioPenha, a devolver no dia 9; atingida a p. 220, de 275]

RECORTE(S):

     Nessa época de vizinhança com o ancião Rodolfo, eu às vezes ficava de tocaia na porta da barbearia [...] Eu admirava a coragem da vítima cordata entregue àquelas mãos trêmulas manejando tesouras e navalhas, sem imaginar que logo seria  a minha vez. Aconteceu alguns dias antes do meu aniversário de dez anos, quando me sentei naquela cadeira, sujeitado ao desejo de minha mãe de me ver com um corte profissional. O longo pano preto que recebi sobre o peito, indo até cobrir as pernas, e o modo apertado como o barbeiro amarrou com um nó os cordões atrás do meu pescoço, me fez sentir prisioneiro, [...] Ao ouvir sons sibilantes, virei o olhar um pouco para o lado, a tempo de perceber as mãos trêmulas afiando a navalha  numa  tira de couro, e logo o movimento da lâmina reluzente em direcção à minha cabeça, no fito de aparar os pés do cabelo e desenhar a linha recta da nuca. Foram instantes terríveis, e tive pensamentos  de rebeldia, mas estava preso à cadeira e minha única defesa foi cerrar os olhos. [...]

Celso Costa, A arte de driblar destinos, 2023, p. 129

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Chiado: Ilha dos Galegos + Estátuas

 [...] No Martinho do Terreiro do Paço, havia um ar de província na Baixa, que lhe agradava: ele era cada vez mais Bernardo Soares no seu labirinto.
      Estás a ver, Zé, a nova estátua do Chiado?, ali em cima, na Ilha dos Galegos?» Sim, houvera discussão acesa sobre a identificação da personagem que tinha ou não dado nome ao sítio. «Já há duas, a cinquenta metros uma da outra. uma está de pé a outra sentada...» prosseguia o Fernando: «Eu vejo-as todos os dias do carro eléctrico. E eram contemporâneos, e amigos, Camões e ele, ao que dizem...» Na Brasileira criticava-se a estátua académica, [...] «E ainda veremos o Pessoa em estátua, nas imediações...» acrescentava ele, com um sorriso enigmático. Chegara tudo isto aos ouvidos do Pacheco que se embalara, como de costume. «Daqui a quantos anos, Zé, achas tu que será?»... Não lhe queres falar nisso?» [...]

José-Augusto França, José e os outros - romance dos anos 20, 2006, p. 180

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

La Coca, OU Picasso por Rentes de Carvalho

 - lido em menos de dois dias; a «segunda metade», hoje, no H. da Luz, e nos transportes, com vários «Saltos»; Roteiro evocativo Galaico-Minhoto, da Época do  Contrabando à do Tráfico...

RECORTE(s):

     Essas discrepâncias do meu viver devia-as em parte a Madame, que nessa altura já regressara a Paris e vivia então num maravilhoso apartamento do número 7 da Rue des Grands Augustins. Picasso, {,,,9, un très cher ami, era o vizinho de cima e eu, com a admiração que o artista me merecia. quando me cruzava com ele [...0 fazia-lhe respeitosamente a vénia.
     Até ao dia em que o acaso quis que  o mestre viesse a sair quando Madame e e eu íamos a entrar. [...] Um aceno e um olá do mestre, em seguida uma afirmação críptica da minha amiga: José c´est le jeune homme dont je vos ai parlé. Corei, confuso por não saber do que se tratava e Picasso rindo da minha confusão agarrou-me familiarmente pelo braço:
    - Tudo acaba por se arranjar, meu rapaz, o principal é saber usar la coca.
    Por um instante petrifiquei, julgando que o génio da pintura tivesse perdido o juízo e me recomendasse ali sem rebuço o vício da cocaína. Mas no momento seguinte já ele apontava para a minha cabeça:    
    - La coca, hombre, la cabeza, la tête! Só se precisa dessa. O resto... - e com um floreado Au revoir! saiu para a rua.      

J. Rentes de  Carvalho, La coca (2011), 2023, pp. 195, 196

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

(...) o papagaio que gostava de bolo de arroz (Dulce M. Cardoso)

 - de manhã, com sol e pouco frio, pelos transportes (735, sobretudo...), releitura deste número da «Granta», para decidir se vai ou não para a «Mesa das Trocas»...; do conto de D. M. C., ...

Excerto(s):
[...] A família vilã vivia na Rua Itapirapes, número 54, e tinha um papagaio que gostava de bolo de arroz. A minha mãe nunca tinha comido bolo de arroz, e quando provou gostou muito. Esse gosto acabou por ser responsável pela morte do papagaio.
[...] o papagaio que gostava de bolo de arroz [...] era um papagaio delator. Por estranho que pareça, a minha mãe ainda hoje jura que o papagaio que gostava de bolo de arroz era capaz de contar à tia síria tudo o que a minha mãe fazia e que a denunciava se em vez de limpar a casa a minha mãe fosse brincar com os vizinhos japoneses. [...}
     Todas as tardes a tia síria trazia um bolo de arroz ao papagaio, todas as tardes a minha mãe roubava um bocado do bolo de arroz, todas as tardes o papagaio fazia queixa, todas as tardes a tia síria batia na minha mãe. Assim aconteceu até que os vizinhos japoneses sugeriram que a minha mãe matasse o papagaio [...] a minha mãe garante que ela e os vizinhos japoneses coseram o rabo do papagaio com uma agulha e linha. [...]

Dulce Maria Cardoso, «O coração do meu mundo ou o papagaio que gostava de bolo de arroz, in Granta, n.º 6, 2015, pp. 163 - 177


sexta-feira, 30 de junho de 2023

Tempo e Selva, Herzog

 - de manhã, na ESPL. do D., atinge-se a p. 50 do livro de Herzog, iniciado ontem na FNC-COL; a representação da Categoria do Tempo é um dos Motivos mais conseguidos; por isso se parou no excerto que se transcreve, recortando-o, para  cumprir a extensão média do que se reproduz nestas Casas:

A partir de agora, há qualquer coisa que começa de forma quase acidental, como se um novo companheiro, permanente, tivesse chegado imperceptivelmente, um irmão natural do sonho [...]: um tempo amorfo de sonambulismo, embora tudo seja real, imediato, palpável, assustador e irrefutável no seu presente - a selva, o pântano, as sanguessugas, os mosquitos, a vozearia dos pássaros, a sede, a comichão na pele [...]. Um pássaro nocturno grita e passa-se um ano inteiro. Uma gota de água sobre a folha encerada de uma bananeira capta um raio de sol por um instante e passa outro ano. Um carreiro de milhões e milhões de formigas aparece da noite para o dia, vindo do nada, e segue por entre as árvores [...]; o desfile segue a sua marcha, imperturbável, durante muitos dias e desaparece tão abrupta e misteriosamente como surgiu, e mais um ano passa. [...]

Werner Herzog, O crepúsculo do mundo, Zigurate, 2023, pp. 50 - 51 

sexta-feira, 9 de junho de 2023

Literária Infância nas Canárias

 Recortes da Leitura referida no «Alpa»:

- [...] E então, juntas, percorríamos de novo todo o caminho que tínhamos desenhado em ziguezague [...] porque a Isadora dizia que, se andássemos de  um lado para o outro nos cansaríamos menos, e começávamos a falar sobre uma vez em que fizemos chichi pelas pernas abaixo para saber o que se sentia, e fizemos chichi dentro de uma plantação de batatas de um vizinho da minha avó, [...] e rastejámos pelas terras mijadas e sem nos apercebermos eu e a Isora já estávamos perto da casa dos homossécsuais e já faltava pouco para chegar à venda e então a Isora perguntou-me se eu me lembrava da vez em que na escola deitámos um sumo de maçã na cabeça de uma menina de quem não gostávamos e nos apanharam. [...] Perguntei à Isora se se lembrava da vez em que na escola estávamos a brincar aos cães e ela tinha um cão que era Josito, o menino do Redondo, que era o Josito de gatas com uma corda atada ao pescoço e ele levantava a pata e fingia que mijava nas paredes da escola, nas paredes pintadas com desenhos das ilhas Canárias e com pessoas pequeninas vestidas com fatos de feiticeiro e de feiticeira e cachos de bananas e carroças com bois de romaria e batatas e morteiros de quando celebramos o Dia das Canárias [...]

Andrea Abreu, Pança de burro, Bertrand, 2023, pp. 43-44

domingo, 4 de junho de 2023

«Raça dos inúteis», «Signo Sinal», Vergílio Ferreira

 - bastante amarelado, o exemplar, de 79, que veio das Galveias, mas em bom estado, certamente pouco lido, e, ou, manuseado...; na ESP. do R., atingida, de manhã, a p. 30

RECORTE:

     [...] «Gostava dos livros, das artes, das ideias, pertencia à raça dos inúteis. Meu pai o pensava em voz alta com minha mãe, franzindo a boca, balançando as cabeças. Dos inúteis. Mas logo de pequeno - ele mo lembrava às vezes com comiseração. Metia-me num quarto, chamavam-lhe o quarto escuro [...] Livros de aventuras, folhetins dos jornais, ó suave encantamento da translúcida verdade - deixem-me comover. Era da raça dos inúteis, detestava o mundo excessivo, pesado de materiaçidade, espesso de cegueira, o eso, a espessura, sufocando a beleza que nele cintila. [...]

Vergílio Ferreira, Signo Sinal, Bertrand, 1979, p. 26

terça-feira, 23 de maio de 2023

«Ulisses», de Joyce: «atirem-se lá para dentro» (A. L. Coelho)

 - será agora que também R. se «atirará»a Ulisses»?, [finalmente e «já perto do FIM?»]; só no 73.º programa - «Volta ao Mundo....»;   A. L. C. se lhe «atirou»...; 

RECORTE(s):

«O livro de hoje assusta mais do que qualquer outro nesta «Volta ao Mundo»; como muita gente, larguei-o várias vezes. Mas, chegando ao fim, o mais importante será dizer a quem não o leu: «atirem-se lá para dentro» [...] E não ter medo dele é começar na primeira página e ir em frente, como em qualquer romance. Sugiro que não pesquisem [...] deixem isso para uma releitura. [...]

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Confinado em Eboli; Carlo Levi

 - terminada a Era dos Quadrados, voltou a haver tempo para as Letras «não-Lusas» ...: alcançada a página 108 [de 239] .... desta obra-prima (de 1945), (1.ª obra de Carlo Levi), em recente reimpressão, vinda da BiblioPenha, e caracterizada, na ContraCapa como «[narrativa] na qual se mistura ficção, memória, registo sociológico, ensaio e literatura de viagens»...; «confere»; é tudo isso e não só... [...]

RECORTE (com excertos em Discurso Indirecto Livre):

   O presidente da Câmara reconhece-me e  chama-me. É um homem novo, alto, grande e gordo [...] É o professor Magalone Luigi: mas não é  professor. Ensina na escola primária de Gagliano; mas a sua principal função é vigiar os confinados da vila. Nesta tarefa ele põe [...] toda a sua energia e o seu zelo. Então não foi ele considerado por sua Excelência, o governador civil, como encontrou logo forma de me dizer com uma vozinha aguda de castrato que sai suave e satisfeita daquele seu corpanzil, o mais jovem e mais fascista entre todos os presidentes de Câmara da provincia de Matera? Não posso fazer menos do que congratular o professor. E este dá-me informações sobre a vila e sobre o modo como me devo comportar. Ali há alguns confinados, uma dezena ao todo. Não devo vê-los, porque é proibido. De resto, são gentalha, operários e assim. Eu, pelo contrário, sou um senhor, vê-se logo. [...] Mas como é que eu me fizera mandar para o confinamento? E logo naquele ano, em que a Pátria se engrandece. [...]

Carlo Levi, Cristo parou em Eboli, Livros do Brasil; pp. 24-25


quarta-feira, 10 de maio de 2023

«dois rios», Tatiana Salem Levy

 - leitura desta «narrativa gemelar», de 2012, terminada às 17 horas - com muitos «saltos» na «2.ª metade», aquela em que a narração de 1.ª pessoa passa de Joana para a Voz do irmão gémeo, Antonio - [...]

RECORTE(S):                              35

Depois de duas horas de caminhada, um longo corredor de palmeiras nos recepciona. Enormes caranguejos azulados afundam suas patas no mangue do lado esquerdo de quem chega. [...] Musgos se espalham por todos os cantos: pela igreja, o chafariz, os postes de luz, a bicicleta solitária, as casas abandonadas. O gramado cresce sem governo, há ferrugem nos bancos da praça, as heras sobem os muros das construções.
O cenário seria bonito, não fosse para mim a imagem escancarada da passagem do tempo. Dois Rios tornou-se um fantasma: as mesmas casas, a mesma praça, as mesmas ruas, carcomidas pelo abandono e a umidade.
Lembro-me de tudo. Mais do que eu imaginava. Vejo-me a correr com as outras crianças, a pipa no céu, os cães atrás de nós; vejo-nos a jogar amarelinha, a comer churrasco no gramado, brincar de esconde-esconde, de pega-pega. A pele vermelha descascando, as pernas cobertas por mordidas de mosquito, a roupa sempre suja de terra, rasgada por conta dos tombos que levávamos. [...]

Tatiana Salem Levy, dois rios, Tinta-da-china, 2012, pp. 56-57

quinta-feira, 4 de maio de 2023

«Um Nome», Barreto Guimarães

Um nome

O nome que tu transportas é o nome
onde és tudo. O nome: és
tu que o és. Em teu nome
tu és tu. É
um nome que te leva com
o seu número de letras a
certa altura maior do que um simples
nome em ti. Significa mais
significa: justiça
(dignifica-se a si mesmo) um tal nome
significa-te. Porque esse teu curto nome foi
um nome que cresceu
para continuares a ser nele
para seguir sendo
o teu.

João Luís Barreto Guimarães, O tempo avança
por sílabas, Quetzal, 2019, p. 66 (de Luz última2006)

[a pedido de M. J. C., R. vai enviando pequenos conjuntos dos poemas que «abriam  Quadrados...»; do conjunto de hoje, confiando que ainda não foi colocado em nenhumas das «Casas»...]

segunda-feira, 3 de abril de 2023

Municipais Leituras...

 - é sair do «735» e seguir em frente; espaçosa, arejada e luminosa, está ali desde 2015, vinda do «Palacete Diogo Cão», onde estivera desde 65 (informou a FUNC.); nesta primeira visita veio «Perguntem a Sara Gross», na edição da colecção «Mil Folhas», do «Público»; também «Miniaturas», de Andreia Del Fuego, mas, ao chegar ao GALH, constatou que existia na EST. do CORR [...];
Well

quinta-feira, 30 de março de 2023

Michel René, aliás, Ilario Da

 - [pelas 10 e 30, na «Flor do I.» (M. S.) foi terminada a leitura desta «curta saga», agilmente narrada...]

Recorte do Excerto final:

[...] Quando a costa francesa apareceu, Ilario Da teve a impressão de que apenas naquele instante aquele país começava realmente a existir. [...] Ao chegar ao posto dos serviços de imigração, teve de aguardar na fila, longamente. Ao fim de uma hora, uma alfandegária perguntou-lhe:
    - Nome?
    Aquela pergunta enigmática despertou na sua memória um eco profundo. Se bem que estivesse longe da ditadura, longe dos carabineiros chilenos, foi assaltado pelo temor de ser procurado do outro lado do oceano. Pensou em vários nomes de empréstimo, em pseudónimos, em nomes de código, mas o único que lhe veio aos lábios foi aquele que todos os seus antepassados tinham repetido ante de si.
    - Michel René - disse.
     A mulher não levantou os olhos. Com um gesto negligente da mão que ia batizar de novo, numa só linha, toda a sua genealogia após ele, anotou na ficha:
    Michel René.

                                              Miguel BonnefoyUma herança, Asa, 2023, p. 191 [outro: AQUI]


quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

«tudo pode ser roubado», Giovana Madalosso

 - rapidamente terminada, a 2.ª leitura de G. Madalosso; a narradora-protagonista, garçonete em S. Paulo, e ladra «parcimoniosa», concretiza uma (maior) encomenda: o roubo da 1.ª edição de «Guarany». de José de Alencar [...]

RECORTE:

[...] meus olhos recaem sobre a mesinha, sobre a agenda coberta de post-its. Pego-a nas mãos. A capa é de um plástico duro e transparente, transparente como vidro, algo incomum de ver por aí. Descolo os post-its. Leio: O Guarany. Meus dedos tremem, tremem com nunca tremeram. Respiro fundo, tento me acalmar. Então é isso, a capa de plástico esta aí para proteger o livro, o papel deteriorado, a lombada a ponto de descosturar. Mantenho uma mão embaixo da capa, seguro-a como se segurasse uma bandeja cheia de taças de cristal. Com a outra mão, começo a folhear a edição, meus dedos como pinças movendo cada uma das páginas. Até que encontro: 1.ª edição. 1857. Puta merda, tenho vontade de gritar. [...]

Giovana Madalosso, tudo pode ser roubado, Tinta-da-China, 2022, pp. 184-185

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

J. B.

 - «Hist. de Roma», na Feira saído, foi então lido até ao «meio» [...] - espera «recomeço» [...] 

- No Palácio, I.R e F. B. informaram D. que J. B. fará uma Visita, em 2223 - D. aguarda [...]... - entretanto, J. B. no «Todas as palavras» de 18 de Novembro [...]

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Nascido(s) a 20 de Janeiro OU «nomem est omen»

 - [pelas 8 e 30, A. R., de OURIV. veio falar sobre Mafra (O Convento, claro), para algo denominado «Poder e Contrapoder» - R. raramente se «sincroniza» com tais [...], «vamos a ver»]

- [a leitura de --- ora interrompida - reconduziu D. à obra «Mínima» de A. Faria, no caso, a «O conquistador», de que se alcançou, pelas 11, o final do I Bloco] 

Recortes daí:
[...] Nas vãs tentativas de conversar comigo, Catarina recorria à narrativa do meu aparecimento, por ter esgotado todos os temas. Mas a verdade pode surgir da mentira repetida. O meu bilhete de identidade marca a data de vinte de janeiro de mil novecentos e cinquenta e quatro para o meu nascimento [...] Nome completo: Sebastião Correia de Castro.
      A minha história preferida, [...]  era a daquele rei com quem me orgullhava de partilhar o nome e que nasceu quatro séculos certos, dia por dia, antes de mim. Hoje concordo que nomem est omen. E Catarina achava que, por S. Sebastião ser mártir da cristandade, o rei meu homónimo se sentiu provavelmente obrigado a lançar-se numa absurda batalha contra os árabes, [...] 

Almeida Faria, O conquistador (1990), pp. 40, 41, 2017

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Suíte Tóquio; Giovana Madalosso - «Que Nome é o Seu?»

 - [manhãs de Leitura, neste «inopinado temporário» estagiar no Palácio...; -alcançada a página 23, RECORTE:

"[...] Enquanto rasgo a embalagem do garfinho descartável, conto para Cora que vamos até uma cidade chamada Presidente Prudente, longe pra burro, pra lá do interior. Depois fico quieta, mastigando, pensando que vamos chegar às seis e meia da tarde e que mais ou menos por essa hora vão começar a dar falta da gente, mas tudo bem porque já vamos estar num táxi, indo pra Ponta Porã, de onde vamos cruzar a fronteira a pé até Pedro Juan Caballero, no Paraguai, onde acho que dá pra fazer um documento novo para Cora. [...] Digo para Cora que vamos fazer uma maluquice, uma brincadeira muito legal, mudar o nome dela. Pergunto como quer se chamar daqui pra frente. Moana diz. Falo que esse não vale, é muito de princesa, muito de cinema, que tal algum mais normal, tipo Manuela, Carolina, ou Brígida, como a vó da Maju?. Ela não diz nada, está concentrada tentando espetar o macarrão, mas penso que depois preciso retomar a pergunta, escolher logo um nome e ir tirando Cora da nossa cabeça. [...]

Giovana Madalosso, Suíte Tóquio, 2021, pp. 22-23

- G. M. no «Encontro de Leituras» de Jan. de 22: - «resumo-vídeo» AQUI; «podcast», AQUI

domingo, 24 de julho de 2022

Ocampo, Silvina

 - de «As convidadas», de Silvina Ocampo, recortes de «A Escadaria»: 

    «[...] Vinte e cinco degraus. Quando ensinava as filhas a andar, contando-os um a um, [...] Agora, sozinha, volta a contá-los, após tantos anos, por mero hábito. 
     Um.. Este degrau tem a brancura do açucar. [...]
   [...] Quatro... Este degrau, suave, mas amarelado, assusta-a. Foi aí que encontrou o colar de pedras verdes e o guardou no bolso. [...]
    Cinco... O degrau do cansaço. Nunca, nunca está limpo. Um dia, por brincadeira, alguém defecou nas suas bordas. [...] 
    [...] Dez... O degrau mais tranquilo, mais feliz. Ali brincou com a trouxa de roupa como se fosse uma boneca. [...] 
  [...] Dezassete... Algumas baratas aventuram.se pelo rodapé. [...] Dá uma certa  pena. Há gente nojenta: deixam lixo na escadaria, caia onde cair: [...]
   [...]Vinte e três... Neste degrau cai a escuridão mais perfeita. [...] 

Silvina Ocampo, As convidadas, Antígona, 2022, pp. 45-49

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Miguéis

 Tal como no ano anterior, agora, no «734», texto de Miguéis; servem os comentários de Setembro de 2021 [...]

RECORTES:
     Logo de manhã cedo, o empreiteiro circula pela obra, com o meio charuto entalado entre os dentes, a barba crescida, o chapéu amachucado para a nuca, as calças arregaçadas, e um ar de permanente inquietação. Chove a cântaros, e em volta da casa é um chavascal. Ele não para, escorrega e pula pesadamente na lama argilosa da cerca, tropeça nos materiais, destemperando em pragas que lhe saem de mistura com a saliva, negra do charuto mastigado. Anda de guarda-chuva aberto e veem-se-lhe as ceroulas de fitas de nastro. Aquela casa é o seu pesadelo. Pelas salas sem conta, os operários trabalham dispersos – canteiros, pedreiros, estucadores, carpinteiros, pintores, eletricistas, canalizadores… 
     – Estas janelas ainda estão sem aparelho! A chuva inundou este quarto! O guarda, ponho-o na rua se me torna a deixar as janelas abertas! 
     – Mas as janelas ainda não têm vidros… 
     – Pois já deviam ter! Que faz o vidraceiro, que ainda não apareceu? 
      Tudo lhe corre às avessas. Todos os dias há alterações no projeto, vistorias, ideias novas. A voz tonitruante anda por todas as salas, por todos os andares, como um ciclone. E o cuspo negro, do eterno meio charuto apagado. Por todos os cantos trabalham homens, ajoelhados, de cócoras, em pé, trepados em escadotes, perdidos ao rés do teto: em silêncio, obstinados, resignados, a apurar, a retocar, a embelezar a casa do rico, dum homem qualquer, que eles nem sabem quem seja. [...] 

José Rodrigues Miguéis, «O Acidente», Onde a Noite se Acaba (1946), 7.ª ed., Lisboa, Estampa, 2000, pp. 192-194

sábado, 28 de maio de 2022

«Leonorama», Ana Hatherly

 - se, em Tempos, cada Bloco começava com «Tisanas» e, em «0910 CONT.al», Mia visitou A. H.... 
[D. não registou, só se lembra que a Qd.a veio «encantada»], 
... neste «Final final», havia que «testemunhar» essa Criadora de muitas Facetas e Expressões [...]...; 

[«em que ano foi sua professora» [???]; «na Faculdade» [???]; pensámos que teria sido antes....]

-... propõs as «6 Tisanas» dos anos COVID.s,, referiu um pouco da Vida-Obra, localizou o que, da Obra Plástica, «repousa» na GULB [...]; mas, como sempre, a «indiferença» só foi quebrada aqui e ali [...]

- levou as fotocópias das Variações de «Leonorama», mas o Arquivo «Pro-EX» rapidamente as «agilizou», a partir de uma edição «conjunta»: Anagramático, de Ana Hatherly, com quatro livros: A maldade semântica; A detergência morosa; Leonorana; Metaleitura, 1965-70. [Imagens][...]



quinta-feira, 5 de maio de 2022

«seios», M. do Rosário Pedreira

 - foi o «poema da SEMANA»,  do recente livro de M. do R. P., que: 
- «salvou» o 1.º de Maio;
- foi oferecido às MM.s, nos Qd.s da Frente
- foi lido nas «Aberturas» dos Qd.s 402 [...]:

seios

Mãe, oxalá eu nunca tivesse largado a tua mão:
com o menino ao colo, fez-se a estrada maior do
que o meu desespero, amarrotou-se de velho meu
coração tão claro. Eu tinha catorze anos antes
 
do estrondo, catorze anos e meio antes do teu
grito, quinze anos cumpridos quando afastei o
véu dos teus cabelos: se me dizias sempre que não
fosse para longe, porque pediam o contrário os
teus olhos parados? Ainda por cima, mãe, chegar
 
ao campo foi como bater a uma porta cansada ꟷ
mil tendas que eram velas remendadas, barcos para
ficar de novo pelo caminho. Trouxeram-nos mantas
cheias de perguntas; tentaram-me com doces
para me pôr no lugar; mudaram ao meu irmão
a fralda com as mãos frias. Mãe, eu disse-lhes que
 
o menino era meu; e agora, quando ele procura os
teus seios no meu corpo sem formas, cubro com
o teu véu os meus cabelos e canto-lhes baixinho
canções de açucar. Não sei que idade tenho, mãe,
mas oxalá eu nunca tivesse largado a tua mão.
 
Maria do Rosário Pedreira, o meu corpo humano, 2022 (abril), p. 45

- artigo, 

«Maria do Rosário Pedreira: um evangelho laico de louvor ao humano»

 de Helena Vasconcelos, no «Ípsilon», de 5 de Agosto

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Solidão (o direito à), por M. E. C.

 - Crónica de ontem de M . E. C. - que «vem mesmo a Talhe de Foice» para a Pausa da P. [...]

RECORTE (S):

[...]

A solidão é um intervalo. [...]
É preciso saber de um campo escondido no meio da cidade, ou de um pinhal longe de onde passam os carros. Mas é preciso ter maneira - tempo, autorização, vagar, transporte - para lá chegar.
É preciso poder fugir - mas ter onde voltar. A solidão feliz é sempre temporária. Não rejeita ninguém: refresca toda a gente.
Estar sozinho onde não está mais ninguém, olhando para as árvores e para a linha do mar, é matar uma saudade. É matar a saudade da solidão antes de nascermos - e [é matar a saudade] da solidão com que vamos morrer. [...]

[com sublinhados e acrescentos]


segunda-feira, 14 de março de 2022

o «Seiscentos Maluco» e o «Desprotegido da Sorte» OU «Nomes não escolhem destinos»

 [...] Ricardo Reis está sentado na mesmo banco, é raro acontecer, mas desta vez todos os outros estão ocupados, percebeu que o extenso diálogo dos velhos era para seu benefício, e pergunta, E essa alcunha de Seiscentos Maluco, donde é que lhe veio, ao que o velho analfabeto responde, O número dele na Carris era o seiscentos, puseram-lhe o nome de maluco por causa da tal mania, ficou Seiscentos Maluco, e foi bem posto, Não há dúvida. Os velhos tornaram à leitura, Ricardo Reis deixou vogar o pensamento à deriva, que alcunha me ficaria bem a mim, talvez o Médico Poeta, o Ida e Volta, o Espiritista, o Zé das Odes, o Jogador de Xadrez, o Casanova das Criadas, o Serenata ao Luar, de repente o velho que estava a ler disse, O Desprotegido da Sorte, era a alcunha de um larápio de pouca importância, carteirista apanhado em flagrante, por que não Ricardo Reis, o Desprotegido da Sorte, um delinquente também se pode chamar Ricardo Reis, os nomes não escolhem destinos.  [...]  [sublinhados acrescentados]

José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, pp. 412-413

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Mau-Tempo

[escolhe-se os excertos que os Infantes irão ler pelos quadrados, «leve iniciativa» que se retoma; neste ano dedicada ao «Centenário»; Excerto de um deles:

 Havia um largo, umas árvores que ramalhavam, bruscas. O homem parou a carroça, disse à mulher, Espera aí, e atravessou por baixo das árvores, na direcção duma porta iluminada. Era uma taberna e lá dentro estavam três homens sentados num escano, outro a beber ao balcão, segurando o copo entre o polegar e o indicador, assim como se estivesse parado para um retrato. E atrás do balcão um velho magro, seco, virou os olhos para a porta, era o homem da carroça que entrava e dizia, Boas noites a toda a companhia, esta é a saudação de quem chega e quer amizade de quantos sejam, por fraternidade ou interesse de negócio, Venho viver aqui em São Cristóvão, chamo-me Domingos Mau-Tempo e sou sapateiro. Disse um dos homens sentados sua graça, Mau tempo trouxe vocemecê, e o outro que bebia estava no fim do copo, deu um estalo com a língua e acompanhou, Não traga ele más solas, e os mais riram porque havia de quê e a propósito. Não seriam palavras de mal querer ou mal receber, é noite em São Cristóvão, todas as portas estão fechadas, e se chega um estranho que tem nome de Mau-Tempo, só um tolo não aproveita, demais tendo chovido. [...]

José Saramago, Levantado do Chão, 2.ª ed., 1980, Nov., p. 21 [dedicatória, datada de Nov. de 81, «Para a Zé»]

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Tratado da Mão

 - a fotografia é de Silvy Crespo - «The land of elephants» - DAQUI



- a «via» para lhe aceder foi o Dossiê de hoje, do P3 («Lítio e Barroso...»)

domingo, 7 de novembro de 2021

Dom Pedro, por Duarte Nunes de Leão, por Nuno Júdice

 O QUE DUARTE NUNES DE LEÃO
DISSE DE DOM PEDRO

 No meio do campo, onde caçava o cervo e o porco-bravo,
não pensava pedro nas coisas do mundo, nem imaginaria
que súbditos mais astutos do que ele nas caças do poder
lhe apanhariam inês nas suas redes, e depois a 
matariam como dizem as crónicas, levando-o a 
afastar-se de coisas mais mundanas para se dedicar 
à justiça, que por suas mãos praticou, pondo 
todo o rigor e cuidado na sua arte.

E porque se deleitava em executar a sentença,
tinha sempre consigo o chicote, dispensando 
os algozes que o acompanhavam. Chamaram-lhe
azedo e terrível; mas também usava de humor no
seu ofício, como quando pôs a tormento dois dos
que mataram inês, álvaro gonçalves e pêro coelho,
e ao coelho temperou as feridas com cebola e vinagre.

E se mandou tirar os corações, a um pela frente e 
a outro por trás, foi para ver se os  tinham  - o que,
visto e conferido, se pôs a comer, enquanto os
queimavam. Mas respeitava os bispos: e quando 
acusaram o do Porto de dormir com  a mulher de 
outro cidadão, [...] 
[incompleto]

Nuno Júdice, Navegação de acaso, 2013, pp. 67 - 69

 

domingo, 26 de setembro de 2021

«Novas Cartas...» (Novas Leituras das...)

 - a obra «completou» 50 anos; só M. T. H. «lhe sobrevive», ainda; 

Museu do Aljube


- dossiê do «P2/ P3», com (e sobre) quem hoje, jovem,  a volta a ler [...]

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

As vinhas...; Steinbeck

 - na edição das P. E. A., relembra que terá sido oferecido por [...] [se estiver com J., em Santo António, será possível confirmá-lo; certo é que o releu muitas vezes, e não só por a «Biblioteca» ainda ser curta...; pela «funda impressão» causada pelo Livro num Menino de cerca de 14, atento e observador; relembra isso e outros pormenores, vendo o DOC. que está na «RTP Play»

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Almada: «A Invenção do Dia Claro»

- na CASA F. P.: em reencontrada Lição, de 04 de Dezembro de 2020...; 

Aulas de Poesia Mundial,  Almada Negreiros, por Mariana Pinto dos Santos




sábado, 24 de abril de 2021

Onde estava...

 ... no 24 de Abril... para «variar»...:

VINTE E QUATRO DE ABRIL DE 1974
 
Perto do jornal o restaurante
onde falamos baixo e olhamos em volta,
porque eles estão lá, parados, a ouvir-nos,
feitos de sombra e de sarro, de sarro e de sombra.
Nós falamos da guerra, dos presos, dos desertores,
da classe operária, da reforma ou revolução.
E duvidamos de tudo menos do clarão vermelho
que nos aponta ao futuro.
Falamos a medo, mas falamos,
lemos a imprensa clandestina e passamos
o papel de mortalha onde estão escritas
as palavras proibidas.

                                                                            Luís Filipe Castro Mendes, Voltar, 2021, p, 48


domingo, 4 de abril de 2021

4 de Abril de 1571: Damião de Góis

 - não se lembra do Nome do Qd.o - alto e «forte» - , finalista, «lá pelos inícios do Milénio» [...]; na primeira «sessão», colocou a «Sala das Perguntas», de Fernando Campos, sobre a «Tábua»; 

- «convidado» para falar da mesma, 15 dias depois, «não se fez rogado», livremente se exprimindo, isto é, sem ler...; «e o resto (a conversa do final) não se diz...»

- Dossiê de hoje, o mesmo dia, 450 anos depois: PÚBLICO e o Teatro Nacional D. Maria II evocam esse acontecimento com um texto do historiador Rui Tavares e leituras de passos do processo gravadas pelos actores António Fonseca, Beatriz Maia e Pedro Gil no D. Maria II, erguido no local dos calabouços da Inquisição [...] 

sábado, 20 de março de 2021

«1816: o Ano sem Verão...»

 - «Atrás dos tempos vêm tempos / E outros Tempos hão-de vir» - crónica de António Araújo, hoje, no «DN»: o «ano sem verão», um concurso literário, Frankenstein...;

Recortes: [...] Há duzentos anos, o mundo sofreu o Ano sem Verão, nome por que ficou conhecido 1816, no qual, fruto da erupção do monte Tambora, na Indonésia, ocorrida em Abril de 1815, a Terra sofreu uma onda de frio prolongado que espalhou o caos, devastou colheitas e provocou as maiores fomes de que há memória em todo o século XIX. Tempestades gigantescas, chuvadas incessantes, inundações dos grandes rios, pandemias de tifo e de cólera, muitos milhares de mortos, talvez mesmo milhões, ao certo não se sabe quantos. O sol escondeu-se um ano inteiro, os céus cobriram-se de uma neblina escura permanente e o mundo mergulhou nas trevas, [...]

[...] O Ano sem Verão produziu um dos mais bizarros e profícuos encontros literários de que há memória, quando, no mês de Julho desse aziago 1816, um conjunto de génios decidiu fazer férias em Cologny, nas margens do lago Genebra. Numa das casas, a Villa Diodati, vivia exilado Lord Byron e o seu médico pessoal, John William Polidori. Perto dela [...]


sábado, 13 de março de 2021

«A Gorda»

 

- enquanto não sai a próxima ficção, dada como pronta nesta conversa, [«A beleza das pquenas coisas, de 5 de Março], (re)ouvir I. A. S., sobre o livro de 2016, e outras [...]; 
- um dos destaques: «vida banal, conversa de Café = material mastigado na (pela) ficção» 
- no mesmo «podcast» («A beleza...»), a 28 de Abril de 2023 [...]

terça-feira, 9 de março de 2021

tinha que chegar a «Os Maias»... e a «Mataram a Cotovia»

 ... a incapacidade de «ler a Ironia» OU a (capacidade) de «enviesar» Teorias «bacocas»...; de pôr os pontos nos is» se encarrega  claramente A. Carlos Cortez.... AQUI

RECORTE final

[...] Vítimas da raça, da hereditariedade, quer Carlos, quer Ega, quer qualquer outra persona deste romance, são caricaturas, cara Vanusa [Vera-Cruz]. São prosopopeiasfiguras da escrita. Oitocentista, filho dum século positivista, leitor de Balzac e de Zola, Eça é racista? Acusá-lo de tal é cair numa superstição literária — dessas que hoje fazem encher o olho e dão parangonas. Camões, por este andar, ainda há-de ser proibido nos programas por se considerar que cada poema lírico seu é um piropo machista e ofende a dignidade da mulher. Vai Victis!!

[sublinhados acrescentados]

- a 14 de Março, noutra(s) perspectiva(s): artigo de Vítor Belanciano [que agradece o facto de ter tido duas boas professoras, a Português e a Filosofia...]

Nuno Saraiva, copiada do «Ípsilon», de 3 de Abril

- a 3 de Abril, no «Ípsilon», artigo de Luís Miguel Queirós, que «inventaria», de algum modo, o estado da «polémica» e refere várias perspectivas, também [...]  

- a 18 de Julho, artigo sobre o mesmo, desta vez, da Escócia, aplicado a «Mataram a Cotovia», de Harper Lee - RECORTES:

[...] As notícias que vêm sobretudo dos Estados Unidos, e a discussão recente acerca de Eça de Queirós, levam-nos a pensar, [...] Tirar obras dessas é querer regressar ao grau zero da leitura. À incapacidade de ler a ironia, a metáfora”, diz a professora da Escola Secundária Henriques Nogueira, em Torres Vedras, que se interroga como se pode ensinar literatura sem problematizar. “Não se pode. Toda a literatura com algum interesse vai ao ar. [...]


quinta-feira, 4 de março de 2021

«O Tempo também se engana?» OU «(já não é) esse Grande Escultor?»


 - a 28-02, no «P2» (supl.o do «Público»), artigo que é um «dossiê», com diferentes depoimentos e perspectivas sobre «as percepções» do Tempo 
- para ler e reler...

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

«Madrugada (Ritual da)»; Manuel da Fonseca

 - E., em contexto «PAND.», decidiu que não limitaria os «leitores» ao «bem esquartejado» «Sempre era...»; mantém-se a questão de não se lembrar do que foi feito das edições «antigas», da «Forja», por exemplo, algumas autografadas para a alentejana Zé ... 
      - [foi «debater» a questão com a General e voltou...; última hipótese, na Garagem?? - NÃO, a 01-03...]
- não se lembrava, também, dos contos de »Tempo de Solidão»; este, particulamente, «remete-o» para o C. do S., para o Estaminé do Pai Velho («Curtos» e «Meio-Curtos»...) , para «os Marítimos» ( e «Estivadores»...), para a «Casa do Conto», à esquina da D. Luís I...; para a Infância...

RECORTE da Situação Inicial:

Rumorosa, na madrugada escura, a chuva metralha as ruas e as paredes encharcadas. Áspero, o vento sacode as cordas de água, raspa pelas esquinas e entra na taberna, onde a espaços chegam, vindos do rio, os uivos abafados e longos das sirenes dos navios.
    A taberna está cheia de marítimos. Uma lâmpada saída da parede atira com a luz crua contra as caras e os troncos, apagando-os pela altura do balcão. Daí para baixo é tudo sombra densa até à serradura empapada, negra, que cobre o chão.
— Aguardente ― grita alguém, de modo a ser ouvido.
O taberneiro, como a luz lhe dá pelas costas, move-se, disforme e escuro, por detrás do balcão.
— Três! ― gritam-lhe de outro lado. [...]

Manuel da Fonseca, Tempo de solidão, p. 39 da Reimpressão de 2014 (1. ª ed.: 1973?; 1969?)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

«Marcenda»; formas de tratamento e Nome + Teoria da (Escrita) da Carta

- de excerto proposto hoje («Teoria da Escrita da Carta»):

[...] Claro está que Ricardo Reis não admitiu, sequer, a hipótese de tratar Marcenda por (“)excelentíssima senhora dona(“), ou (“)prezada senhora(“), a tanto não lhe chegaram os escrúpulos de etiqueta, mas, tendo eliminado esta fácil impessoalidade, achou-se sem léxico que não fosse perigosamente familiar, íntimo, por exemplo, (“)minha querida Marcenda(“), porquê sua, querida porquê, é certo que também podia escrever (“)menina Marcenda(“) ou (“)cara Marcenda(“), e tentou-o, mas menina pareceu-lhe ridículo, cara ainda mais, depois de algumas folhas rasgadas achou-se com o simples nome, por ele nos devíamos tratar todos, (“)nomeai-vos uns aos outros(“), para isso mesmo o nome nos foi dado e o conservamos. Então escreveu, (“)Marcendaconforme me pediu e eu lhe prometi, venho dar notícias (“), tendo escrito estas poucas palavras parou a pensar, depois continuou, deu as notíciasjá foi dito como, compondo e adequando, unindo as partes, preenchendo os vazios, se não disse a verdade, muito menos toda, disse uma verdade, acima de tudo o que importa é que ela faça felizes quem escreve e quem irá ler, que ambos se reconheçam e confirmem na imagem dada e recebida, ideal seja ela, imagem que aliás será única, pois na polícia não ficou auto de declarações que faça fé em juízo, foi apenas uma conversa, [...]

[sublinhados acrescentados]

José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, pp. 227, 228 da edição de 2016,17

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

«O ROSTO COM QUE FITA», Paulo Teixeira

[«esquecido» como sempre, E. «entrou» atrasado na «Sessão de Pares» e, no «paralelo», M. J. C. disse que tinha apreciado o poema de P. T. que E. deixara «pela Mesa» do Qd.o «DDT»; enquanto aquela «decorria», passou-lhe outro, o que segue,  pelo «2.º paralelo»...]

O ROSTO COM QUE FITA

A lenta descida das alturas do clima
para o espaço físico, sem memória,
sem bandeiras, sem oráculos ne
m heróis.

Envolta numa bandagem de gelo,
a Europa, nas primeiras horas da manhã
de Março, entre o display e a escotilha, 

entre o mapa e o território, adormecida,
por momentos, na ausência de poder
que se deduz da plácida geografia.

É uma questão de escala e de altitude
o desejo do cartógrafo: medir o espaço
e desenhar-lhe com os dedos os contornos.

Este o prazer secreto da agrimensura,
a passagem, numa pausa entre nuvens,
de paisagem árida, lunar, à topografia.

Portugal é uma orla, um  fino recorte
do mundo, e torna-se mais nítido
o rosto com que fita o oceano.

Em baixo, os pequenos pontos luminosos
são o presente e a intenção que move
os veículos pelas estradas nacionais.

Desces para uma história de vida,
além da mancha de retalhos da lavoura.
O rio, as pontes, a torre e o mosteiro,

as docas vazias de Alcântara, pontuam
de referências conhecidas o cenário
onde encenar de novo uma pertença - 

a trepidação no regresso ao script de origem,
ao logos de nascença, a razia aos prédios
e a queda inapelável no real quotidiano.

Paulo Teixeira, a comoção do mundo, Caminho, 2020, pp. 31-32 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

«O regresso de Júlia Mann...», Teolinda Gersão

- veio pelos «CTT», visto que as livrarias foram «confinadas»...; é pela «(falta de) lógica que nos (des)governa», que  começa a (audio)ENTREV. de hoje do OBS. à autora - «uma pedrada no charco», como sempre [...] 
- E. vai na segunda narrativa deste livro, na página 44

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

«saudade pronta a vestir», por M. E. C.

 Recortes da Crónica de hoje - «A saudade espalhada», de M. E. C.:

     Uma coisa que a pandemia trouxe ao mundo inteiro foi a saudade.
[...] Ouço crianças que me falam como velhos numa casa de fados, evocando um Verão perdido, descrevendo o que perderam, lembrando-se de como era e duvidando que volte a ser assim.
     Já não interessam as idades: as cidades, as nacionalidades, as identidades. A todas custa. Todas se assemelham na consciência de não ter dado valor ao que desapareceu de um momento para o outro. Todas são capazes de conjugar a palavra saúde com a palavra saudade.
     É como se toda a gente tivesse perdido um ano. Nunca saberão como teria sido esse ano se não tivesse havido a pandemia. Teria sido como os anteriores? A saudade provoca esse engano de fazer caber todos os Verões num Verão roubado
[...]A saudade que até há pouco tempo era uma especialidade portuguesa tornou-se um passatempo universal – no sentido mais saudosista da palavra.
     Há aqui uma oportunidade única de negócio. Nenhuma literatura, nenhuma música, nenhuma azulejaria está tão impregnada de saudade como a portuguesa.
     Porque é que outras culturas hão-de perder anos a tentar tirar o sentido do que se passou, se a portuguesa já tem a saudade pronta a vestir?

 [sublinhados acrescentados]


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

«O teu jardim», Nuno Júdice

 - do último, de Julho, livro de Júdice; enviado como 11.ª «proposta» da »secção» «Acesso Bloqueado»...; há que aguardar..

O TEU JARDIM

Seguindo a sombra das árvores na relva,
vou ao teu encontro. Pousas no chão de pedra
os sapatos cor-de-rosa; e o sol salta sobre
o muro do fundo, seguindo o exemplo
da trepadeira. E desejaria então que o tempo
parasse para permaneceres neste verso,
na eternidade da tua saia vermelha e das tuas mãos
que seguram um livro ainda fechado. Pouco
importa o que nele está escrito: o que importa
são as imagens que adivinho
no fundo dos teus olhos em que se reflecte
uma grande árvore — essa que talvez converse
contigo, quando o vento agita
as suas folhas. Talvez isto seja um quadro
em que tudo é fluido, esbatido pelo brilho do sol; tu,
porém, olhas-me através desses fragmentos
de vida que passam através de nós, sobrepostos
como a superfície de cubos que nasce
do empedrado do chão. E abres o livro,
sublinhando as palavras que te procuram.
 
Nuno Júdice, Regresso a um cenário campestre, 2020 (Julho), D. Quixote, p. 56

domingo, 6 de dezembro de 2020

Assis Pacheco, 25 anos

- a fotografia foi copiada do OBS, de hoje, junto de um artigo de Nuno Costa Santos, «só para assinantes», pelo 25.º ano do seu falecimento; para «compensar», o vídeo da Tinta-da-China, pelo lançamento, em 2019, da «edição aumentada» de «A Musa Irregular»
[e ouvir A. B. Bap. «reconduz» D. à «Nova», aos «idos» de 86-89 [...]

sábado, 21 de novembro de 2020

«Quando», «acende e apaga»; Manuel Alegre

                          IV

Nunca vi ninguém morrer sem medo.
Tínhamos medo nós a pressionar artérias
tinham medo os que viam o sangue a derramar-se
gritavam pela mãe mais do que por Deus.
Por Deus certa vez eu chamei muito
primeiro para dentro como quem reza
depois em desespero aos berros:
«Vem depressa vem depressa.»
Mas quando o helicóptero chegou já era tarde.
Meu caro poeta cardeal: Deus não me ouviu.
Chamei-lhe nomes blasfemei:
«O gajo é surdo.»
Não diga nada ao papa eu gosto dele
mas a verdade é esta
Deus não me ouviu.
 
Podem dizer que estou a ser injusto
anos depois o meu coração parou
os alarmes soaram no hospital
não sei se Deus ouviu a campainha
o que sei é que o médico não era surdo
deu-me dois choques e ainda estou aqui.
 
A quem dar graças
a quem oferecer o pirilampo
que está dentro de nós
faúlha de uma estrela desaparecida
acende e apaga acende e apaga
no princípio e no fim a morte e a vida
depende de quem chega ou não a tempo
um helicóptero o médico
acende a apaga
acende e apaga um só momento.
 
Não há tempo no tempo não há tempo
ninguém me viu ontem em Babilónia
quem sabe se amanhã verá
tempo só hoje
tempo sem antes nem depois
como acertar no poema a rotação da Terra
ou declinar o fluxo das marés?
 
E como esconjurar o fogo e a praga?
SMS não é a minha escrita.
Será que Deus twita?
Faz como ele: clica e apaga
clica e apaga.
 
Manuel Alegre, Quando, 2020 (Novembro), D. Quixote, pp. 21, 22

[IV «Canto» de X];