quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Casa (como se desenha uma) - Manuel António Pina

[Outro poema do último livro de M. A. P.]

 [Uma casa]

Perde-se o corpo na inabitada casa das palavras,
nas suas caves, nos seus infindáveis corredores;
pudesse ele, o corpo, o que quer que o corpo seja,
na ausência das palavras calar-se.

Não, com nenhuma palavra abrirás a porta,
nem com o silêncio, nem com nenhuma chave,
a porta está fechada na palavra porta
para sempre.

O azul é uma refracção na boca, nunca o tocarás,
nem sob ele te deitarás, nas longas tardes de Verão
como quando eras música apenas
sem uma casa guardando-te do mundo.


Manuel António Pina, Como se desenha uma casa. Lisboa, Assírio & Alvim, 2011, p. 17