segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Soares + Fradique + Pizzarro + Reis

Um pessoano e um eciano em diálogo sobre «semi-heterónimos» [...] - com a Biblioteca Joanina em fundo [...]

- Excerto da Conversa,  por cortesia do Público      - AQUI

sábado, 31 de outubro de 2015

«A esperança é um animal com penas» - Luís Quintais

O que é a esperança? Um animal com penas, pensei. Preferia ser capaz de a descrever
de um modo menos obtuso. Ser capaz de pôr num dia a eternidade a germinar lentamente,
isso sim. isso seria uma das formas de esperança reconhecível.
Alguém, com passos ágeis, procura dominar o desgosto que nos trouxe a esta sala.
Procura apaziguar a biologia, os fluxos e refluxos que a animam, a prometida destruição.
Alguém vigia por turnos a instabilidade da vida. Tem por ofício prognósticos humildes,
uma cronologia de sábios gestos que o uso torna incertos e verdadeiros ou verdadeiros
e incertos (a ordem dos termos tornou-se arbitrária).
A esperança é uma hipótese que anotámos no caderno mais próximo,
esse que está em cima da mesa aguardando uma visita do acaso.

"Um animal com penas", in Arrancar penas a um canto de cisne - Poesia 2015-1995, Assírio & Alvim, outubro de 2015  
[transcrito da Coluna «Cem por Cento» , de Nicolau Santos, Expresso - Economia, de hoje]             [durante uma pequena pausa dos Envelopes)

- «Esperança é a coisa com penas» (Emily Dickinson)



segunda-feira, 20 de abril de 2015

Rosa-de-jericó («a flor do deserto») - a lista dos nomes

[de uma das gavetas do computador «reapareceu» o conto de Maria Ondina sobre a planta da «ressureição»...]

[porque longo, «imbricado», difícil escolher só os seguintes Recortes:

«A rosa-de-jericó» [truncado]

A lista dos nomes viera do Brasil. Numa folha pautada, duas altas colunas em caligrafia apurada de escrevente: Wilma, Wanda, Isa, Naíl…
A mãe está de mês e só come galinha com arroz. Um passeiozinho pela sala, uma sesta no cadeirão de verga. Janeiro. O fogareiro de brasas. O crepitar das bagas de eucalipto. A entranhar-se nas cortinas de folhos, nas pregas da saia, no cabelo entrançado, no xaile-manta, o perfume purificante do eucalipto. Combalida da longa noite de concebimento, a mãe: noite de três prolongados dias e velas acesas noutras velas ao Cristo do oratório. A velha Brígida franzindo a testa orvalhada de suor, os seus pulsos grossos nas mangas arregaçadas: «Se passar de hoje chama-se o doutor.». Fechada, a rosa-de-jericó, a sua raiz seca como uma corda, como uma cobra, à tona de água na bacia do lavatório.
Cinco e meia. O homem entra, apressado, o passo irregular. A carta de São Paulo? Onde estava a carta de São Paulo? E se ela já tinha lido, se já tinha escolhido.
─ Oh! Eu gosto é de Maria que é a Mãe de Jesus.
Pois podia pôr-se-lhe Maria seguido de outro nome. Examina a lista. Um supor, Neusa. Ou Nelma.
─ Qual achas mais bonito? ─ arrepia o bigode preto com  a unha alongada do dedo mendinho.
─ A avó dela, a minha mãe, era Maria do Socorro.
─ Ora, esses nomes já não se usam.
 […]
— Marília é um nome poético, mas o desta quero que seja exótico — procura-lhe a mão.
O fraco dele pelo exótico, o invulgar, o raro. […] Hélia, Elza, Hércia. Que lhe parecia Hércia?
Não responde. Não ouve o que ele diz. Pondera: que têm a ver nomes assim rebuscados e fantasiosos, que têm tais nomes a ver com uma pobrezinha que veio ao mundo por um pouco sufocada?
— Zilda, Zélia, Zuraida. São nomes nobres, sabes? Nomes reais. De princesas árabes!
Desatenta, ela.
— Então? Qual gostas mais? Dói-te alguma coisa? — debruça-se sobre a mulher. Continua: — Leda. Denise. Deborah. Nome judaico, Deborah?
[...]
A rosa-de-jericó, entretanto… Lá na bacia, enrodilhada e sem dar sinal, a flor da corola em cruz. Quando desabrocha, a gente apercebe-se, lembra-se? Se se lembrava! Como papel de seda a desdobrar-se. Como beijos… [...]
Sentado à sua beira, de lista em punho, ele pronuncia os nomes como se a saboreá-los. Com devoção. […]
Menina, Sr.ª Brígida? Um suspiro, a sua fala. O médico desinfectava os ferros, lavava minuciosamente as mãos, os braços, na bacia donde fora afinal retirada, sem chegar a desabotoar-se, a planta do parto. Uma moleza a acometê-la, uma madorna. E a criança tão caladinha, tal se nado-morta.
Ele fez uma pausa.
─ Ainda não me disseste se te agrada algum destes nomes. Não te agrada nenhum? ─  […]
Ela de mês, a menina ao peito a beber-lhe as forças. E já meio esquecida, quem diria, de tudo quanto suportava e de tudo quanto ainda lhe faltava suportar. Não obstante… O que lhe custava a aceitar era o facto de a flor-do-deserto não ter chegado a revivescer. A negação, a falência da planta da fecundidade, esse vegetal valimento, essa efígie fiel durante tantas gerações. Por que seria? Ali no cadeirão de verga, a cismar na rosa-de-jericó, a mãe. As mulheres do meu sangue, que me conste, felizes nos partos, parece. Porquê assim comigo? Por que a menina não queria nascer, sabe-se lá? Por que eu, a sua progenitora, preferindo um menino? Estreita a filha ao colo, compadecida. Mea culpa. Mea  maxima culpa. O seu ventre retraído de insubmissão e susto.
Na sala, o homem lê os nomes alto e destacadamente para que ela, no quarto interior, os possa escutar e escolher. E tal a entoação e o ardor da sua voz que a exaspera e a comove ao mesmo tempo. Como quem recitasse, fervoroso, uma oração. Como quem declamasse versos. Zaida… Rosenda… Belinda…Bluette…


Maria Ondina Braga. A rosa-de-jericó Contos escolhidos, 1994, pp. 137-141


domingo, 19 de abril de 2015

A Queda (de Ícaro) - Bruegel

Paisagem com a Queda de Ícaro, de Pieter Bruegel, o Velho
Recortes de artigo («A cultura, esse detalhe...»), de Vanessa Rato, do Público de hoje, pp. 30 - 31                   ou AQUI:

Há uma célebre pintura do mestre renascentista Pieter Bruegel, o Velho, que Homi Bhabha, um dos mais importantes autores dos estudos pós-coloniais contemporâneos, acha que nos deve continuar a fazer pensar. [...]
[...] o título completo da pintura de Bruegel é Paisagem com a Queda de Ícaro. Um título que encerra um programa, porque o que a composição nos oferece é uma imagem do mundo a seguir o seu curso enquanto ali, num pequeno detalhe do canto direito, um jovem que tentou voar alto de mais está a morrer afogado sem que ninguém sequer note a sua tragédia em curso.
      Ao centro, em primeiro plano, um agricultor fixa os olhos no chão enquanto guia o arado com que trabalha a terra. Mais abaixo, um pastor acompanhado pelo seu cão guarda distraidamente um rebanho de ovelhas enquanto observa o céu azul. E depois, lá em baixo, há o enorme navio de velas desfraldadas que agarra o nosso olhar e lança sombra sobre as pequeninas pernas de Ícaro, que caiu de cabeça e está a segundos de desaparecer de vez nas plácidas águas verdes da baía.
      Supostamente, a obra está feita na terrível perspectiva de Dédalo, a observar impotente, lá de cima, a desgraça do seu filho. O que leva à pergunta de Bhabha: “Afinal, quem é hoje a testemunha moral do sofrimento humano?” Esta, diz ele, é uma das perguntas que a Cultura pode lançar ao mundo. Uma pergunta auto-reflexiva, ou não será o papel de testemunha um dos lugares de sempre da Cultura? É uma hipótese de reflexão. Outra, diz Bhabha, é pensar se a Cultura não será o detalhe periférico e secundarizado que nos faz reconsiderar todo o sistema, exactamente como as pernas de Ícaro – quando por fim damos por elas. [...]


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Nove poemas de Amor...

... em língua portuguesa, escolhidos por nove escritores port....

- no «Observador» - AQUI